Prefacio.
A minha história seria normal como de qualquer outro garoto, a não ser pelo fato de eu nascer com uma pequena diferença genética, não só diferente de minha família, mas provavelmente diferente de todo o planeta.
Capítulo 1 – O que está acontecendo comigo? E o mais importante, por que comigo?
Acordei em uma floresta, estava muito escuro, mas eu conseguia ver pequenos riscos de luz solar entre o espaço das arvores que não estavam cobertos pelas enormes folhas em seus galhos. Um zumbido forte ecoava em meus ouvidos e eu estava com muita fome, era intensa e mexia com meu estomago tão fortemente que eu poderia acabar com uma vida para saciá-la.
Senti um cheiro vindo do norte, muito diferente e atrativo, algo delicioso, e sem perceber, no segundo seguinte eu já estava correndo, muito mais rápido do que já havia corrido em toda minha vida, mas não me importei, eu precisava descobrir que cheiro era aquele e a quem pertencia.
A cada passada que eu dava ia ficando mais forte e tentador, e a luz do solar ia se aproximando cada vez mais dos meus olhos conforme subia a parte mais inclinada de um pequeno morro que já deixava para trás, e havia se transformado em uma colina.
As árvores que me rodeavam começaram a ficar menos agrupadas e eu conseguia me locomover com mais facilidade.
Meu nariz estava queimando com aquele cheiro, eu não aguentava mais, sabia que estava próximo do meu destino saboroso.
Finalmente cheguei, no que parecia ser o pico de uma colina.
O sol me cegou por um segundo, antes que eu conseguisse absorver tudo que havia aparecido a minha frente.
A minha direta havia uma pequena cabana, feita de madeira e bem antiga, mal cuidada e com alguns aparelhos fazendo sons, chiados e barulhos que não pude distinguir, aparentemente abandonada. A minha esquerda havia mais arvores agrupadas que achei muito difícil de alguém conseguir se locomover por ali, mas o que realmente me impressionou foi o que esperava a minha frente, meu coração bateu de um jeito que nunca pude sentir antes, algo que me fez tremer por inteiro.
Estava parada olhando para o sol, uma garota muito linda, de cabelos negros que esvoaçavam com o vento que zumbia fortemente no alto da colina, suas mãos brancas tremiam fortemente, e suas roupas estavam sujas e rasgadas no jeans da calça e uma parte do capuz de sua blusa branca. Quando o transe momentâneo com a aparição dela passou, estremeci novamente, o cheiro que estava procurando era o dela, a força que me atraia tão vorazmente ao alto daquela colina vinha daquela frágil garota. Eu tinha a maior consciência que qualquer toque poderia machucá-la, mas eu não conseguia entender o porquê. Eu estava ficando louco, tudo nela me deixava alucinado e eu queria arrancar cada pedaço de carne em seu corpo, eu queria machucá-la.
Ela não percebeu minha chegada, havia sido muito cauteloso.
Mas eu não podia, ela era tão linda, inocente, e percebi que eu realmente não queria e nem poderia machucá-la.
Eu tentei avisar para fugir, que não era seguro ficar perto, uma pessoa tão horrenda e sem consciência que queria matá-la, mas quando fiz isso, não foi como esperado.
Minha voz de adolescente de quinze anos de idade havia sido trocada por um rosnado forte e rouco, como o de um urso!
Ela virou-se, olhou para mim sem medo, sem reação nenhuma, simplesmente olhou, e eu me perdi em seus olhos.
Era cor de mel, me fizeram sentir diferente, como se estivessem me esperando. Sua pele era clara, muito clara, estava um pouco suja, mas não mudava o fato de me fazer sentir como se ela fosse o motivo real para estar ali, não pela vontade de saciar a fome, mas sim para poder ficar perto dela para todo o sempre, e então sorriu para mim e avisou
– Agora está próximo de começar, meu corajoso.
O zumbido que eu escutava desde o começo de minha caçada estava ficando mais forte e mais alto, fracas vozes começaram a soar sobre meu crânio.
De repente eu senti meu coração bombear mais sangue do que o normal, tudo ficar quente. Comecei a me contorcer, sentir dor, meu corpo ardia e meu coração batia acelerado, perdendo todo o horizonte a minha frente, entrei em um buraco profundo.
Tudo queimava dentro de mim, parecia que eu havia sido mergulhado em um acido que estava me corroendo por inteiro, não havia nada que eu pudesse fazer para parar, então esperei.
Quando abri os olhos de novo ela estava na minha frente, olhando para mim, calmamente.
Me sentia normal novamente, mais muito fraco, dolorido, machucado. Tentei levantar para gritar para que ela fugisse, mas naquele exato momento mas senti um forte puxão no umbigo.
Abri os olhos e vi a sombra de minha mãe no escuro do meu quarto me puxando:
– Filho, acorda, está na hora de ir para o colégio – disse ela, me fazendo levantar da cama com fortes puxões no braço.
– Tá bom, tá bom! – resmunguei sonolento.
Já era a quarta vez seguida em que aquele sonho aparecia em minhas noites, a mesma garota, o mesmo lugar, somente mudando uma única coisa, o animal em que eu me transformava.
Bem, com todo esse drama, esqueci de me apresentar.
Sou Guilherme Freitas, tenho quatorze anos e moro com minha mãe, e minha irmã. Nunca tive a chance de conhecer meu pai, pois ele faleceu antes de eu nascer, mas minha mãe sempre disse que eu era exatamente igual a ele, pele morena como de um homem que sempre está bronzeado, cabelos e olhos negros, mas ao contrario dele sou pouco grande para a minha idade. Quando o assunto é a semelhança familiar a única coisa que não me é associado ao meu pai é o nariz e a necessidade de usar óculos, que minha mãe jura ambas serem dela, como uma honra.
Minha vida era real e inteiramente normal, morava em um condomínio na capital de São Paulo, nada muito luxuoso mas vivíamos bem a vida.
Havia perdido meu segundo pai a um tempo atrás, por causa de uma doença lhe custou anos de tratamento e luta, mas depois de um tempo, ele partiu, fazendo de nós quatro, apenas três, mas como me haviam dito quando era menor, “ tudo na vida tem que acabar, sendo a alegria ou a dor “ superamos a perda.
O meu dia-a-dia era como o de qualquer paulistano, sempre fazendo as mesmas coisas todos os dias da semana, então estava me arrumando para ir ao colégio.
Quando terminei de me arrumar, me despedi da minha mãe e fui pegar o elevador.
Abri a porta encontrei com um dos meus melhores amigos, Douglas, que também estava indo para o colégio.
Douglas morava no mesmo prédio que eu, era um pouco menor se comparando a mim, cabelos negros jogados de lado fazendo ter aquele cabelo da moda estilo “Justin Bieber”, e apesar de parecer ser um cara mal humorado, era um amigo com o qual eu sempre poderia contar.
– Dia – falou ele sonolento, a voz saindo rouca
– Dia, cara sonhei com ela de novo – retribui no mesmo tom, coçando os olhos fazendo meus óculos subirem um pouco para minha testa
– E hoje você era o que? Um chiuaua? – ele disse com um certo sarcasmo na voz
– Urso – respondi olhando para o teto
– Cara, acho que você deveria falar com sua mãe sobre isso, esse seu sonho já está muito repetitivo, leão, gorila, lobo e agora urso, isso não é normal, tirando o fato de ser muito engraçado – ele me alertou em tom sério, mas ainda sim debochando de mim
– Mas são só sonhos não são? Então para que se preocupar? – olhei um pouco confuso para ele, para que se preocupar com isso?
– É você quem sabe – disse ele, terminando o assunto.
A porta do elevador abriu no térreo e nós dois saímos.
Na porta do prédio fomos um para cada lado. Eu fui em direção a estação de trem, que fica ao lado do condomínio e ele para o ponto escolar esperar sua carona.
Eu havia contado para ele sobre esses sonhos estranhos onde eu sou um animal diferente a cada noite e sinto o cheiro dessa garota, a qual eu realmente conhecia, tudo bem, mais ou menos.
Ela estudava no meu colégio e eu tinha uma atração inexplicável por ela. Eu sempre tentava vê-la quando podia. No tempo da troca dos professores das aulas, nos intervalos, na saída, na entrada, sempre que eu tinha chance eu a procurava, me fazia sentir em partes, melhor.
Mas eu não contei para ele que além de sonhos estranhos, coisas estranhas estavam acontecendo comigo ultimamente, não achei necessário, seria só mais motivo para tirar sarro de mim.
A musculatura do meu corpo havia começado a mudar de menino “fofinho” para um menino mais forte e com o corpo mais definido, não que isso seja uma preocupação, mas aconteceu em um mês o que aconteceria em dois anos com um garoto que se exercita normalmente todos os dias.
Eu também estava sentindo, enxergando (mas mesmo assim necessitando de óculos) e ouvindo muito melhor do que antes, e me sinto mais ágil e rápido a cada dia que passa.
Bom, mas isso é normal eu estou crescendo não estou?
Quando eu realmente me dei conta de onde estava, percebi que já havia chegado na catraca da estação, meus pés me guiaram sozinhos até lá, com tantos pensamentos me rondando não prestei atenção por onde ia.
A estação ficava ao lado do condomínio onde morava, facilitando minha ida para o colégio, era um lugar frio e normalmente vazio, mas muito bom para se pensar.
Enquanto esperava o trem, os pensamentos do sonho voltaram a tona novamente.
“Por que eu era um animal? Por que eu queria atacá-la? Por que eu desistia disso? E o mais importante, por que esse sonho era tão repetitivo e insanamente igual todas as noites”.
Tantas perguntas rondavam minha cabeça mais nenhuma resposta vinha para responde-las, com essa triste resposta, o trem chegou.
Estava vazio como sempre, essa sempre foi a vantagem de sair mais cedo de casa.
Me sentei em um banco do primeiro vagão ao lado de duas pessoas que me fizeram sentir a vontade de sentar em outro lugar no mesmo instante.
Na minha direita, havia uma mulher usando um terninho e uma saia que chegava um pouco além da metade de sua coxa, seus cabelos estavam presos em um coque e ela segurava uma pasta em suas mãos firmemente, como se estivesse temendo ser roubada. Ela olhava séria para todos, com certa frieza e superioridade, e quando me esbarrei nela, senti seu corpo tremer.
Do meu lado esquerdo, estava um homem que usava uma jaqueta velha e suja com uma grande letra W de cor amarela, um gorro azul rasgado, tinha olhos pequenos e brilhantes que não eram muitos visíveis em baixo de todo seu cabelo enorme e mal cuidado junto de, uma barba preta e grisalha. Ele tinha um aspecto sujo e maltratado, e seu odor parecia ser de alguém que não passava perto de um chuveiro a meses, certamente um mendigo.
Eu não tinha percebido até aquele momento que ele estava com um pássaro no ombro esquerdo que eu não podia ver até o momento em que ele virou para olhar para mim.
O pássaro era muito bonito, tinha todo o corpo coberto por penas azuis celeste, com um bico bem escuro, era pequeno e olhava para todos como se calculasse cada pessoa dentro daquele vagão.
De repente senti um tipo de choque que partiu do meu cérebro e passou por todo o corpo. Sem saber como ou porque eu falei:
– Lindo “Mountain BlueBird”.
– Ah, você conhece essa espécie, guri? – o mendigo me perguntou olhando feliz entre sua barba enorme e seu cabelo sujo, tinha um sotaque diferente, parecia não ser brasileiro.
– Bem, não. Acho que foi um palpite de sorte – eu olhei abismado para ele, como é que eu sabia sobre aquele pássaro? Eu nem sabia muito sobre aves.
– Sorte? Sei, sorte... – ele falou mais para si mesmo do que para mim, me olhou como se me avaliasse, depois bufou e voltou a olhar para frente, por mais estranho que pode parecer, exatamente como o pássaro.
– Me dê licença, agora tenho que descer – eu disse a ele, ouvindo a voz do maquinista anunciando a estação da em que deveria sair.
Ainda estava achando muito estranho saber o nome do pássaro que eu nunca havia visto na minha vida, talvez tivesse visto na internet ou algo assim. Olhando para o mendigo vi que ele agora parecia cochichar com o pássaro.
– Não se preocupe em interromper a nossa conversa, vou descer aqui também – ele me avisou olhando radiante para a janela.
– Eu não estou conversando com o senhor – eu disse meio sem jeito.
Ele não respondeu a minha estupidez, apenas sorriu.
Caminhei meu trajeto para o colégio sem falar nada, com o mendigo ao meu lado só parando de falar para encher os pulmões de ar.
Eu fiquei um pouco sem jeito em estar andando em uma rua movimentada conversando com um mendigo que além de sujo e maltratado, estava com um pássaro no ombro que fazia dele um ninho.
– Posso te fazer uma pergunta, guri? – ele falou e finalmente percebi que já estava na frente do colégio, parado ao lado do portão fechado, com o mendigo ainda ao meu lado.
– Claro, mas por favor, pare de me chamar de guri – eu pedi a ele sem medo da resposta.
– Se você tivesse falado seu nome desse tempo que andamos, teria ficado mais fácil – ele disse com um sorriso irônico no rosto.
– Guilherme, mas meus amigos costumam me chamar de Freitas – respondi com o tédio nas alturas, desejando que o portão abrisse ou que o meu amigo saísse voando.
– Tudo bem, Freitas. Você poderia me dizer como sabia o nome do meu amiguinho aqui? – perguntou ele, passando o dedo indicador sobre a cabeça do pássaro.
– Eu já falei para o senhor, foi sorte, eu senti um impulso de falar o nome dele e saiu – respondi com sinceridade, realmente não sabia o que tinha acontecido.
– Sei, outra pergunta? Você tem tido sonhos estranhos ultimamente? – ele perguntou sério dessa vez, parando de rir e olhando nos meus olhos profundamente como se tivesse fazendo um scaner dos meus pensamentos.
Como ele sabia? A única pessoa que sabia desses sonhos era o Douglas, e eu duvido muito que ele contaria esses sonhos loucos para um mendigo.
– Como você sabe que tenho tido sonhos estranhos? – perguntei agressivamente para ele, indo para traz para, tomando distancia entre nós.
– Ah, sim, acho que foi sorte – ele respondeu rindo novamente, sua risada parecia com um balbuciar de um animal, um gorila.
– Hã, eu realmente tenho sonhado com algumas coisas estranhas, faz algum tempo – disse para ele, sem saber o por que, eu nem o conhecia – desculpe, como você se chama mesmo?
– Hum – ele refletiu por um momento – acho que esse não é o momento certo para te responder está pergunta.
Eu ouvi meus amigos de longe chegando, sabia que eram eles, já me acostumará com suas vozes. Olhei para o mendigo, e já estava pronto para pedir para que ele fosse embora.
– Acho que seus amigos estão chegando não? – ele disse de repente.
– Voc...você também consegue ouvi..vir eles desta distancia? – perguntei gaguejando, eles ainda estavam muito longe da gente, não seria possível ele conseguir ouvi-los, nem mesmo seria possível eu ter conseguido
– Claro guri, também sou diferente, como você, e até um pouco mais experiente. Se quiser posso te mostrar o que somos – ele falou sorrindo para mim.
– Como assim? O que SOMOS? – olhei para ele com raiva, senti meus olhos arderem.
Ele não falou nada, tirou um caco de espelho do bolso e apontou para meu rosto.
Quando mirei no espelho, me surpreendi em ver que minha íris, que sempre fora negra como a noite mais densa (palavras da mamãe) estavam amarelo, fortes e vivos.
– Me desculpe, ainda não chegou o momento, mas logo saberá o que estou falando, e me faça um favor, se acalme rapaz, vai acabar chamando a atenção – ele avisou sério, deixando seu sarcasmo de lado – eu vou encontrar você depois da aula, e por favor, não se meta em confusão, você pode acabar machucando alguém.
Eu não respondi, tudo estava tão confuso e estranho que não consegui entender absolutamente nada.
Com um “flash” parecido com o de uma câmera fotográfica o mendigo parado a minha frente sumiu e rapidamente dois pássaros totalmente azuis, um sendo um pouco maior do que o outro saíram voando, contornando a escola até eu não conseguir mais enxergá-los
Eu não queria acreditar no que tinha acabado de presenciar mas o mendigo que estava falando comigo a poucos segundos, havia se transformado no maior dos dois pássaros.
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